O QUE É UMA IGREJA BATISTA REFORMADA?





Por Jonathas Diniz


INTRODUÇÃO


Igreja Batista Reformada. O que é isso? Uma nova denominação evangélica? Mais uma ramificação da denominação batista? Uma outra convenção? Um modismo teológico estrangeiro? Para responder a essas perguntas, vamos começar pelas negações para depois construirmos as características da identidade de uma igreja que se denomina como Batista Reformada. 

Então, a princípio de conversa, destaquemos O QUE NÃO É uma Igreja Batista Reformada:

A) Uma nova denominação evangélica ou ramificação da denominação batista. Não tem a proposta de gerar conflitos entre os batistas, de causar rachas nas igrejas, de confrontar convenções ou ações desse tipo. 

B) Um modismo ou onda calvinista no movimento evangélico brasileiro.

C) Uma comunidade exclusivista e sectária, que se exalta como a única igreja verdadeira.

Pontuadas essas observações, passemos à tentativa de definir O QUE É uma igreja batista reformada, dentro dos seguintes aspectos: histórico, teológico e prático.



1. ASPECTO HISTÓRICO



Quando se fala na origem dos batistas, a teoria mais aceita entre os historiadores protestantes é aquela que remonta ao começo do século XVII, com o movimento separatista inglês, quando alguns pregadores e teólogos na Inglaterra "lutaram para purificar a Igreja Anglicana de todo vestígio de rituais e costumes "papistas". De acordo com Chris Traffanstedt, os princípios por detrás desse movimento eram: a separação entre Igreja e Estado; a doutrina pura, livre de interesses políticos; o governo da Igreja com a participação do povo e a recusa da hierarquia governamental na Igreja; uma liturgia simples que enfatizasse a soberania de Deus, e não as formas de culto impostas pelo Estado; a defesa que de que a Igreja era formada por redimidos, e não por pessoas politizadas; o batismo de crentes em oposição ao batismo infantil; o chamado à pureza e reforma geral da Igreja.

Desse movimento, portanto, surgiram dois grupos principais na Inglaterra os quais podem ser classificados como Batistas: os Batistas Gerais e os Batistas Particulares. Os Batistas Gerais, influenciados pela teologia arminiana, defendiam uma expiação geral (ou ilimitada), bem como o livre-arbítrio e a possibilidade do cristão "cair da graça" (perder a salvação). A primeira igreja dos Batistas Gerais foi fundada em 1608 ou 1609, e seus principais fundadores foram Jhon Smyth e Thomas Helwys.

Já os Batistas Particulares surgiram por volta de 1630, foram influenciados pelo reformador João Calvino e defendiam a expiação particular (ou limitada). Em 1644 elaboraram a Primeira Confissão de Fé Londrina que precedeu a Confissão de Fé de Westminster. Em 1677 uma segunda confissão foi elaborada refletindo a Confissão de Westminster (1647) e a Declaração de Savoy (1658). Alguns anos depois, os Batistas Particulares elaboraram a Confissão Batista de Londres de 1689, a principal confissão de fé Batista. Traffansted argumenta que são aos Batistas particulares a quem os Batistas de hoje devem sua herança reformada: as doutrinas da graça, a justificação somente pela fé, a autoridade da Escritura e o sacerdócio de todos os crentes.


2. ASPECTO TEOLÓGICO

 A Reforma Protestante tem como marco histórico o dia 31 de Outubro de 1517, quando o monge alemão Martinho Lutero afixou na porta da Igreja do Castelo em Wittenberg o Debate para o esclarecimento do valor das indulgências. "As noventa e cinco teses", como esse documento ficou mais conhecido, foi um chamado ao debate e à autoridade exclusiva das Escrituras. Lutero denunciou que pagamentos feitos à Igreja como forma de se obter o perdão de pecados era uma abominação à obra redentora de Cristo. 

Como explica Franklin Ferreira, a partir da Alemanha, a Reforma se espalhou pela Europa Ocidental, dividindo-se em pelo menos quatro grupos principais: os luteranos (vinculados a Lutero, Filipe Melêncton e Martin Chemnitz); os reformados (influenciados por Ulrico Zuínglio, Martinho Bucer, João Calvino, John Knox, Henrique Bullinger e Gaspar Oleviano; os anglicanos (conduzidos por Guilherme Tyndale, Tomás Granmer e Guilherme Perkins; e os anabatistas (liderados por Conrado Grebel, Baltasar Hubmaier, Miguel Sattler e Meno Simons).

Uma igreja, portanto, que se afirma como "reformada" é herdeira do legado teológico dessa reforma encabeçada por Lutero, de forma ampla, e da reforma ligada a Calvino, de forma restrita. A teologia da Reforma, em uma abordagem ampla, engloba luteranos, reformados e outros grupos protestantes, e expressa as verdades da fé cristã que haviam caído no esquecimento na Igreja. Essas verdades são resumidas em cinco afirmações, também chamadas de cinco Solas ou "cinco somentes", conforme sintetizadas na "Declaração de Cambridge": 

A) Sola Scriptura (Somente a Escritura): A Escritura é inerrante e infalível, única fonte escrita de revelação divina, única com autoridade final para constranger a consciência e definir o padrão pelo qual todo comportamento cristã deve ser avaliado.
B) Solus Christus (Somente Cristo): A salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si sós são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.  
C) Sola Gratia (Somente a Graça): A salvação é obra exclusiva da graça de Deus e não da vontade humana. A ação sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a Cristo, soltando-nos de nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte espiritual à vida espiritual. A fé não é produzida pela nossa natureza não regenerada.
D) Sola Fide (Somente a Fé): A justificação é somente pela graça, somente por intermédio da fé, somente por causa de Cristo. Pela fé, a retidão de Cristo nos é imputada como único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus. A justificação não se baseia em qualquer mérito que em nós possa ser achado.
E) Soli Deo Gloria (Somente a Deus Glória): A salvação é obra de Deus, realizada por Deus e para a glória de Deus. Devemos viver nossa vida inteira perante a face de Deus, sob a autoridade de Deus, e para a sua glória somente.

De forma restrita, uma Igreja Reformada bebe da rica tradição teológica da Reforma reformada ou calvinista em distinção à luterana e outras. Hermistein Maia esclarece que "o designativo 'reformada' é preferível ao 'calvinista' [...], considerando o fato de que a teologia reformada não provém estritamente de Calvino". Maia ainda explica que a expressão "calvinismo" foi introduzida em 1552 pelo pastor luterano Joachim Westphal, de Hamburgo, para referir-se aos conceitos teológicos de Calvino, que deplorou a expressão. Como afirmou Karl Barth, "calvinismo é um conceito que devemos aos historiadores modernos. Quando o usarmos, tenhamos a certeza que as Igrejas reformadas do século XVI, do século XVII, e mesmo do século XVIII, jamais se nomearam 'calvinistas'". Nas palavras de Karl Barth, "o verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a seguir: não obedecer ao próprio Calvino, mas Àquele que era o mestre de Calvino". 

A teologia reformada, como salientou Maia, "pode ser honesta e conscienciosamente resumida como a 'Teologia dos Cinco Pontos'", ou seja, os cinco tópicos doutrinários elaborados em um documento confessional conhecido como os Cânones do Sínodo de Dort. O Sínodo de Dort reuniu-se por autoridade dos Estados Gerais dos Países Baixos, em Dordrecht, Holanda, de 13/11/1618 a 9/5/1619, com representantes de diversos países da Europa, tais como Inglaterra, Alemanha, França e Suíça. O Sínodo rejeitou o arminianismo e reafirmou as convicções reformadas. Os cânones, que foram assinados por todos os delegados expressaram o consenso de uma significativa diversidade teológica e representaram o triunfo de um calvinismo moderado, sendo considerado uma das melhores expressões da ortodoxia protestante. Os "cinco pontos do calvinismo", como ficaram conhecidas as declarações doutrinárias de Dort são, conforme resume J.I.Packer:

A) Depravação total: o homem decaído, em seu estado natural, não tem capacidade alguma para crer no evangelho, tal como lhe falta toda a capacidade para dar crédito à lei, a despeito de toda indução externa que sobre ele possa ser exercida.
B) Eleição incondicional: a eleição de Deus é uma escolha gratuita, soberana e incondicional de pecadores, como pecadores, para que venham ser redimidos por Cristo, para que venham receber fé e para que sejam conduzidos à glória.
C) Expiação limitada: a obra remidora de Cristo teve como sua finalidade e alvo a salvação dos eleitos.
D) Graça Irresistível: a obra do Espírito Santo, ao conduzir os homens à fé, nunca deixa de atingir o seu objetivo.
E) Perseverança final dos santos:  os crentes são guardados na fé, na graça pelo poder inconquistável de Deus, até que eles cheguem à glória. 


3. ASPECTO PRÁTICO

Apesar de fundamentais para a correta ênfase da soberania de Deus e sua aplicação na salvação de seu povo, os "cinco pontos" são apenas o princípio e não toda a fé reformada. Esta, como escreveu Packer, "é uma maneira teocêntrica de pensar acerca da vida, sob a direção e o controle da própria Palavra de Deus. A teologia reformada, afirma Maia, "envolve uma nova cosmovisão, que, partindo da Palavra, afeta obviamente todas as áreas de nossa existência, não havendo compartimentos estanques do ser e do saber onde a perspectiva teocêntrica não se faça presente de forma determinante em nossa epistemologia doutrinária e existencial". Em termos simples, a Escritura deve ser colocada em prática em todo o âmbito da nossa existência.

A fé reformada, portanto, com sua ênfase na centralidade da Escritura, é mais do que um sistema teológico; é, sobretudo, uma maneira teocêntrica de ver, interpretar e atuar na história, buscando a transformação da realidade para a glória de Deus. Com estes princípios, a tradição da Reforma influenciou as artes, a política, a ciência, a economia, a literatura e outros diversos setores da cultura. Para os reformadores, "nenhum tipo de ensino que levasse os homens a deixarem de se preocupar com qualquer coisa que afetasse de maneira profunda a vida humana, até mesmo em suas preocupações puramente humanas, poderia de forma alguma ser cristão", acrescenta Maia. Nessa perspectiva, os cristão são chamados a glorificar a Deus em todas as esferas da criação, a partir da vocação e dos dons que o Senhor lhes tem concedido. Comentando a força prática da teologia reformada, Michael Horton escreveu: “Libertados de uma piedade pessoal e introspectiva, esses protestantes deram forma ao sentimento de dever público, ajudaram a lançar reformas democráticas e direitos civis, e deram nova dignidade e direção à vida condigna no lar cristão”.

Sendo assim, uma igreja que afirma ser herdeira da tradição reformada entende que a fé tem compromissos existenciais inevitáveis, refletindo-se em atos de formação e transformação. O princípio orientador da fé e da práxis cristã, na perspectiva reformada, é a soberania e a glória de Deus. Não é uma fé abstrata, esvaziada de sentido, mas um esforço constante de atender ao chamado de Deus a viver dignamente o evangelho no mundo. A fé centrada na glória de Deus e comprometida com a Escritura determina tudo o que somos e fazemos como igreja: nossa ética, nosso culto, nossa pregação, nossa comunhão, nosso serviço, nossa obediência, nosso testemunho no mundo, nosso discipulado, etc. 

Uma igreja reformada, nesse sentido, é muito mais que uma igreja calvinista. É, antes de tudo, uma igreja bíblica, teocêntrica, cristocêntrica e engajada. 


CONCLUSÃO

Uma Igreja Batista Reformada não adota essa nomenclatura por vaidade teológica, posto que essa fé esvazia toda a capacidade e mérito humanos e atribui toda a glória a Deus. Também não se trata de modismo doutrinário, visto que essa fé tem suas raízes em um movimento histórico de séculos passados, cujos efeitos, porém, continuam até os dias de hoje. Não se trata de inovação ou invenção, pois a fé reformada está solidamente ancorada nas Escrituras. Somos apenas herdeiros das doutrinas bíblicas redescobertas pelos reformadores e reunidas em documentos confessionais históricos. Por fim, uma igreja que se denomina Batista Reformada não propõe divisões ou cismas, mas, ao contrário, a unidade em torno das raízes históricas e teológicas da nossa fé. Uma Igreja Batista Reformada apenas deseja ser fiel à Escritura em tudo que ensina (ortodoxia) e em tudo que faz (ortopraxia), e tudo para a glória de Deus (doxologia)! 


Conheça mais sobre a identidade de uma igreja reformada em "Nosso Projeto".


Soli Deo Gloria.



REFERÊNCIAS

BARTH, Karl. Calvin. Citado por MAIA, Hermistein. Fudamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.


FERREIRA, Franklin. Pilares da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2017.

HORTON, Michael S. O Cristão e a Cultura. Citado por FERREIRA, Franklin. Pilares da Fé Cristã.

MAIA, Hermistein. Fudamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.


PACKER, J.I. O "Antigo" Evangelho. São Paulo: Fiel, 1986.

TRAFFANSTEDT, Chris. Uma Introdução à História dos Batistas. Disponível em: https://oestandartedecristo.com/2019/03/21/uma-introducao-a-historia-dos-batistas-por-chris-traffanstedt/.













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